E-mail da imperatriz Sissi* com dificuldade de adaptação

Olá Letícia,
Tudo bem? Conheci seu blog quando estava planejando minha mudança pra Viena, e através do seu blog conheci o canal de Podcast “O nome disso é Mundo”. Quando ouvi a primeira entrevista feita com você me identifiquei em muitos aspectos com a sua história, o que acabou me incentivando a escrever esse e-mail.
(…) Era recém-formada quando me mudei pra Viena, que por sinal foi algo bem inesperado e sem muito planejamento. (…) Todo o processo foi muito rápido e um pouco estressante, porque foi tudo em um mês, do momento em que meu marido recebeu a proposta até ele se mudar definitivamente pra Viena. (…) Como você já sabe, o início de uma mudança como essa é muito mais leve por conta de todas as novidades, que nos distraem e tiram o foco da saudade e de tudo que envolve a adaptação à nova realidade. Eu me encantei com Viena, com a cultura germânica (que já admirava antes mesmo de imaginar que um dia poderia morar aqui), com as várias possibilidades de lazer, com o transporte público (que me deu total autonomia), com a organização da cidade e dos austríacos, enfim, com tudo. Meu marido passava (e ainda passa) o dia todo fora no trabalho e eu aproveitava pra conhecer cada cantinho da cidade.
Depois de mais ou menos dois meses comecei a sentir um certo vazio, pq as minhas metas profissionais já não existiam mais e as pessoais teriam que se adaptar ao novo cenário. Além disso, a saudade da família, dos amigos, da minha rotina no Brasil e de tudo o que só tinha lá começou a pesar. Eu sou muito apegada a minha família, especialmente à minha mãe, e o fato de ser filha única também agravou tudo isso.
O que me ajudou foi que nesse período eu comecei a fazer o curso de alemão, na Sprachenzentrum – Universität Wien, e isso acabou preenchendo os meus dias, além de ter sido importante pra eu conhecer/interagir com pessoas de diferentes culturas e nacionalidades.
(…) Agora em fevereiro fez um ano que eu estou morando em Viena, e essa foi sem dúvidas uma experiência muito enriquecedora, que me tornou muito mais independente e me amadureceu em vários aspectos. Esse primeiro ano não foi fácil, foi um período mais solitário, em que eu mesma me isolei, principalmente porque a minha mente e o meu coração ainda estavam muito presos ao Brasil, e isso acabou dificultando inclusive pra fazer novas amizades e na minha integração aqui de modo geral. As coisas só melhoraram quando eu enfim me dei conta de que a minha vida agora era aqui, e que eu tinha que colocar toda a minha energia aqui pra fazer dar certo. Outra coisa que me ajudou foi ler depoimentos como o seu e de outras pessoas, que me mostraram que é normal passar por essas dificuldades que eu passei, que não tinha nada de errado comigo (como eu cheguei a pensar em alguns momentos), e que a única coisa que eu precisava era ter paciência e calma, pq aos poucos as coisas vão ajeitando e tudo vai se encaixando novamente.
Sempre acompanho suas dicas no blog (inclusive já fui em restaurantes que vc recomendou e adorei – o Keller do Albertina é um exemplo).
Beijos,
Sissi.

O que eu tenho a dizer

Este é o primeiro e-mail que recebo falando sobre dificuldade de adaptação. Quero começar dizendo que apesar da maioria das pessoas que se mudam – seja de um estado para o outro dentro do Brasil ou para o exterior – passarem por esse problema, não significa que você também vá passar. Essa categoria do blog nasceu porque acho muito importante mostrar as inseguranças que um expatriado sofre para todos que vão se mudar (ou já se mudaram) saberem que essa fase de insegurança e tristeza é normal. Para quem já embarcou nessa aventura de morar fora e está passando por essa dificuldade, digo e repito: você não está sozinho(a)!

O que eu achei muito lindo no e-mail é que a imperatriz mandou as dúvidas e as soluções. Nós realmente passamos por um turbilhão de sentimentos – principalmente no primeiro ano no exterior. No fundo, sabemos – ou queremos acreditar – que toda essa experiência será boa e trará um crescimento pessoal enorme. E é correto pensar assim! O problema é que antes de se mudar a gente se esquece de pensar na dor que é morar longe de tudo aquilo que forma o que conhecemos e chamamos de lar. Um mecanismo de defesa, talvez? É mais fácil não pensar que veremos nossa família e amigos somente uma vez por ano, perderemos aniversários, casamentos, nascimentos, alguns grandes amigos podem se tornar apenas conhecidos… Com certeza não é fácil lidar com esse pensamento, mesmo sabendo que será a realidade. Por pior que seja imaginar essas coisas, evitar pensar nos pontos negativos de morar fora do Brasil nos deixa despreparados para a difícil fase de adaptação.

Proponho a vocês um desafio diário: pegue toda saudade, tudo o que te conecta ao Brasil e guarde em uma gaveta interna. Tudo bem abrir essa gaveta de vez em quando. Aliás, às vezes ela até se abre sozinha só para apertar nosso coração, mas sempre se lembre que, como a leitora falou, sua vida agora é onde você está! Junte sua força e aproveite ao máximo a oportunidade que você está vivenciando. Pode ser uma chance única de se reencontrar em outra profissão,  aprender uma nova língua ou ver televisão o dia inteiro. Isso mesmo: se assistir TV o dia inteiro te faz feliz e você pode fazer isso, e daí? Vá fundo e não gaste um pensamento sequer com o que o outro vai pensar sobre você. Sempre vai ter gente para falar “no seu lugar, eu faria diferente”. E adivinhe só? Quem está no seu lugar é você! Pode ouvir as opiniões, claro, e depois tome uma decisão. Se estiver difícil tomar decisão a longo prazo, tome uma decisão por hoje apenas. Se parar para pensar, um ano nada mais é do que 365 decisões tomadas “apenas por hoje”!

*Trocarei o nome de todas as pessoas que enviarem e-mail assim como todos os pontos que podem fazer alguém te identificar. As mulheres serão Sissi e os homens serão Franz. Aqui, todos vocês são imperadores!

Também quer desabafar e de quebra ajudar outras pessoas? Mande um e-mail para [email protected]